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A rota

Sexta feira é um dia bem leve no trabalho. Como eu faço parte da manutenção e não da produção, nem sempre é necessária a minha presença nos locais que demandam mais atenção na empresa.

Todos ficam meio que em slow motion. A secretária do diretor bate papo no telefone a tarde inteira. Os engenheiros vão almoçar as 12:30 e só voltam pra bater cartão. Manutenção em geral é bem tranqüilo, na minha área então, super.

Se eu me denomino In por estas bandas, fatalmente fico Out nas sextas. Enfim, um dia perfeito de trabalho...

O problema é na volta...

Eu não tenho carro, mas isso não é problema. Existem as rotas. Acontece que a minha rota além de ser a ultima, faz o trajeto mais longo. Até aí tudo bem, mas nesse trajeto ela passa em frente ao clube da empresa. Aí é que começam os problemas...

Nesse dia todos os boleiros, cachaceiros, pagodeiros e malas sem alça da fábrica vão em minha rota.

Um verdadeiro saco!

Eu sempre sou um dos últimos a subir. Aí chego no buso e o pagode já está em alta. Nego chorando no cavaquinho e berrando as suas dores de corno ou de fodão convicto. Com direito a camisa de clube carioca fedendo a fim de feira.

É foda viu?

Eles pegam todos os lugares disponíveis. Quem já é da rota tem que ficar espremido nos cantos. Nessas horas tento dormir, mas sem chance... Tem sempre um idiota brincado com a bola de vôlei, outro gritando as musicas do Pagodart, mais um que fica zoando com algum imbecil.

Fora o som do cavaquinho desafinado. É um tal de “tinngerindigeringingerinndin”, isso quando não trazem o bumbo ou surdo...

Comentários inúteis, piadas infames, brincadeiras escrotas, barulho de batucada no banco, no teto, na janela, na cabeça do careca, nas costas do amiguinho, nas coxas da boazuda do RH, no peito, na palma da mão, no caralho a quatro!

Porra! Porque não batucam um na cara do outro?

Seria legal vê-los se espancando por algum motivo banal.

Quem sabe um dia algum não fala mal do pagode ou do Romário e eles se pegam no tapa?

Improvável, mas não custa sonhar...

Eis que um dos malas se aproxima de mim. Finjo que estou dormindo, mas não adianta. Uma das características mais marcantes de um mala é a persistência...

“Ei! Vc não é o filho do Juan, o argentino?”
“Sou...”
“E aí? Como é que ele está digerindo a derrota pro Brasil? Hauahuahuhau!”
“Não sei...”
“Como não sabe?”
“Não perguntei pra ele”
“Mas vcs não moram na mesma casa?”
“Moramos...”
“É daí? Aposto que ele não esqueceu aquela jogada e...”


E o imbecil começa a narrar os lances jogo, à medida que ia narrando os gols batia com os pés no chão...

“Hehehehe, esses argentinos são tudo um bando de FDP mesmo! Tem mais é que tomar...”
“Interessante. Posso voltar a dormir?”
“Pq? Tá humilhado é? Hehehehe! Tá com vergonha!”
“Não é isso, só quero dormir”
“E o que te impede?”
“É que tem um idiota falando sobre um jogo da semana passada e que não para de dar coices”
“Coices? Hummm tá me chamando cavalo é? Hehehe vc acha que eu sou um cavalo? Pq? Já viu o tamanho? Hahaauahauhauhaa”
“De maneira nenhuma. E eu não estou te chamando de cavalo...”
“Ah não?”
“Estou te chamando de burro...”


O cara fica sério. Fecha a cara e sai falando que eu não sei brincar e sei lá o que...

“Então vc quer brincar? Desculpa, não sabia. Vou te comprar um pirocóptero, tá?”, eu digo

Silêncio... Segundos depois o pessoal começa a rir e a curtir com a cara do paspalho. Até hj ele me olha torto...

Na hora da saída é de certa maneira um alivio. Ao descerem parece uma comissão de escola de samba (ou da AACD). Gosto de olhar pela janela e ver a cara dos transeuntes.

Vendo tanto porra louca saindo do buso, o pessoal não consegue deixar de prestar atenção...

Teve até um velho que perguntou se o ônibus vinha de algum passeio na praia (?!)

Aff...

Ter um carro até que não seria uma má idéia...

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